Ser Devasso é Pior do que não Ter Domínio de Si
Uma vez que alguns prazeres são necessários e outros não são, e são necessários apenas até certo ponto, sem admitir excesso nem defeito, e uma vez que o mesmo se passa com os desejos e os sofrimentos necessários, - devasso é quem persegue o excesso no prazer ou prazeres excessivos, e, na verdade, quando os persegue por decisão própria em vista do excesso e não de qualquer outra consequência daí resultante. É forçoso que alguém deste género não tenha nenhuma disposição natural para se arrepender do que faz, de tal sorte que é incurável. Pois, na verdade, quem for capaz de se arrepender pode ser curado. Quem não sente falta nenhuma [destes prazeres] é o oposto do devasso. Mas quem se encontrava na disposição intermédia é temperado. De modo semelhante [devasso] é também quem foge aos sofrimentos do corpo [causados pela insatisfação do desejo], não por lhes sucumbir, mas por uma decisão tomada pelo próprio.
Há também os que não chegam a tomar nenhuma decisão. Estes são obrigados a perseguir o prazer, e a procurar escapar ao sofrimento causado pelo desejo insatisfeito. Há assim diferenças entre esses dois modos de ceder ao prazer ora por uma decisão tomada ou sem decisão prévia. Parece assim a toda a gente ser pior alguém que pratica uma certa acção vergonhosa não sentindo desejo ou sentindo-o levemente do que alguém que pratica uma acção vergonhosa tomado por um desejo violento. Assim também parece pior que alguém bata a outrem sem estar irado do que alguém que o faz num acesso de ira. Pois, o que não seria capaz de fazer quando estivesse sob o domínio do acesso de ira? Por este motivo ser devasso é pior do que não ter domínio de si.
Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco'