Teremos de Ser Felizes
Beijo-te mil vezes pela tua querida carta e pela prenda, embora ainda não a tenha recebido... Não podes mesmo imaginar o quão agradada fico com a tua escolha. É que Rodbertus é o meu economista preferido e consigo lê-lo cem vezes por puro prazer intelectual. Meu querido, como me encantaste com a tua carta. Li-a seis vezes do inÃcio ao fim. Portanto, vejo que estás, de facto, agradado comigo. Escreves que talvez eu só saiba dentro de mim que existe algures um homem que me pertence! Não sabes que tudo o que faço, faço-o contigo no pensamento: quando escrevo um artigo, o meu primeiro pensamento é — causar-te-á isto prazer — e quando tenho dias em que duvido da minha própria força e em que não consigo trabalhar, o meu único receio é o efeito que isso terá em ti, que te possa desapontar. Quando tenho provas do meu sucesso, como uma carta de Kautsky, são apenas em tua homenagem. Dou-te a minha palavra, pelo amor que nutria pela minha mãe, de que, a tÃtulo pessoal, sou totalmente indiferente ao que Kautsky escreve. Apenas fiquei agradada com o que escreveu porque o li com os teus olhos e senti o prazer que te daria.
... Apenas uma coisa importuna o meu contentamento: as influências exteriores da tua vida e da nossa relação. Sinto que terei em breve uma posição estabelecida (moralmente) que nos permitirá viver juntos com tranquilidade, abertamente, como marido e mulher. Tenho a certeza de que entendes isto. Fico contente por o problema da tua cidadania estar finalmente a chegar ao fim e por estares a trabalhar energicamente no teu doutoramento. Pelas tuas cartas recentes, sinto que estás numa óptima disposição para trabalhar...
Achas que não reconheço o teu valor, que sempre que o apelo às armas soava estavas a meu lado com ajuda e que me encorajavas a trabalhar — esquecendo todos os limites e toda a minha negligência!
... Não fazes ideia da alegria e desejo com que espero por cada carta tua, porque cada uma me traz tanta força e felicidade, e me encoraja a viver. O que me deu mais alegria foi aquela parte da tua carta em que escreves que somos ambos jovens e que ainda podemos organizar a nossa vida pessoal. Oh, querido, o quanto eu desejo que possas cumprir a tua promessa... O nosso pequeno quarto, a nossa mobÃlia, uma biblioteca nossa, trabalho regular e sossegado, caminhadas a dois, ópera de tempos a tempos, um pequeno — muito pequeno — cÃrculo de amigos Ãntimos que possamos convidar para jantar, uma ida todos os Verões para o campo, durante um mês, mas, definitivamente, sem trabalho!... E talvez um pequeno, muito pequeno, bebé? Nunca será isto permitido? Nunca? Querido, sabes com o que me deparei ontem, durante um passeio pelo parque — e sem qualquer exagero? Com uma pequena criança, de três ou quatro anos de idade, com o cabelo loiro e um lindo vestido; olhou para mim fixamente e, de súbito, senti um desejo avassalador de a raptar e correr para casa com ela. Oh, querido, nunca terei o meu próprio bebé?
E nunca mais iremos discutir em casa, ou iremos? Tem de ser uma casa calma e pacÃfica, como acontece com toda a gente. Só tu sabes o que me preocupa, sinto-me já tão velha e não sou minimamente atraente. Não terás uma esposa atraente quando andares de mão dada com ela pelo parque — manter-nos-emos bem afastados dos alemães... Querido, se puseres em primeiro lugar a questão da tua cidadania, em segundo o teu doutoramento e, em terceiro, viveres comigo abertamente no nosso próprio quarto e trabalhares comigo, então não poderemos desejar mais nada! Não existe um casal na Terra com tantas facilidades para alcançar a felicidade como tu e eu, e, se houver alguma boa vontade da nossa parte, seremos, teremos de ser, felizes.
Rosa Luxemburgo, in 'Carta a Leo Jogiches, 6 de Março de 1899'