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Abílio de Guerra Junqueiro

Portugal
15 Set 1850 // 7 Jul 1923
Escritor/Poeta/Jornalista/Político

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Em Viagem

Desde aquela dor tamanha
Do momento em que parti
Um só prazer me acompanha,
Filha, o de pensar em ti:

Por sobre a negra paisagem
Do meu ermo coração
O luar branco da tua imagem
Veste um benigno clarão.

A tarde, no azul celeste,
Há uma estrela esmorecida,
Que é o beijo que tu me deste
Na hora da despedida.

Beijo tão longo e dolente,
Tão longo e cortado de ais,
Que o meu coração pressente
Que não te torno a ver mais.

Conto no céu estrelado
Lágrimas de oiro sem fim:
É o pranto que tens chorado,
De dia e noite, por mim...

Quando me deito na cama
E vou quase adormecido,
Oiço a tua voz que me chama,
Num suplicante gemido.

Num gemido tão suave,
Tão triste na noite escura,
Que é como uma queixa d'ave
Presa numa sepultura!...

Em sonho, às vezes, meu Deus,
Cuido que vou expirar,
Sem levar nos olhos meus
O teu derradeiro olhar.

E sem extremo conforto
Que eu ness'hora quero ter:
Beijar a fronte do morto
Aquela que o fez viver.

E é esta ideia constante,
É esta ideia sombria
Que me eclipsa, a todo o instante
O sol da alma, a alegria.

Partir!... Partir-se a cadeia
Da vida, Senhor, senhor!
Quando o azul doirado arqueia
Bênçãos ao meu sonho em flor!...

Morrer amanhã talvez!
Morrer!... Endoideço, quando
Me lembra a tua viuvez,
Entre dois berços chorando!..

Morrer, entregar à treva,
Aos vermes e às podridões
O meu coração, que leva
Dentro mais três corações!

É duro, é cruel... No entanto,
Antes da hora final,
Eu quero dizer-te o quanto
Te amei, lírio virginal!

Eu vinha de longe, exangue,
A alma despedaçada,
deixando um rastro de sangue
Nas urzes da minha estrada.

Brancas ilusões mimosas,
Vastas quimeras febris,
Abelhas doirando rosas,
Águias c'roando alcantis.

Oh, desse mundo risonho
Havia apenas ficando
A bruma vaga dum sonho
Que a gente sonha acordado...

.......................
.......................

Nessa tremenda ansiedade
É que tu verteste, flor,
A tua imensa piedade
Na minha infinita dor!...

Eu era a sombra funesta
E tu o clarão doirado;
Juntámo-nos, que é que resta?
Um céu de Maio estrelado.

Quando vais serena e calma,
Linda, inefável, como és,
Vou pondo sempre a minha alma
No sítio onde pões os pés.

Corre o mundo, (o mundo é estreito)
Podes mil mundos correr,
Que hás-de calcar o meu peito
sempre por ti a bater.

......................
......................

Meus sofrimentos partilhas
E meus regozijos vãos:
Minhas dores são tuas filhas;
Meus cuidados teus irmãos.

Não Há dif'rença nenhuma
Em nossas almas, eu creio
Que foram feitas só duma
Que Deus dividiu ao meio.

Por isso penso há dois meses,
Desde a hora em que parti,
Que morreria cem vezes
Morrendo longe de ti:

Mas ai! se assim fosse, quando
Me sepultassem, então
Estalariam chorando
As tábuas do meu caixão.

E do meu peito gelado,
Na terra do cemitério,
Brotaria ensanguentado
Um lírio roxo, funéreo.

Um lírio estranho, imprevisto,
Feito pela minha dor
Das cinco chagas de Cristo
Reunidas numa só flor...

E a estrela, d'alva inocente,
Cheia de dó tombaria,
Lagrimosissimamente
Na urna da Flor sombria!...

Guerra Junqueiro, in 'Poesias Dispersas'
// Consultar versos e eventuais rimas




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