A Beleza da Tua Alma Eclipsava a dos Meus Versos
Minha querida Nora,
Parece-me que estás apaixonada por mim, não estás? Dá-me prazer pensar que estás a ler os meus versos (embora tenhas levado cinco anos a descobri-los). Quando os escrevi, eu era um rapaz estranho e solitário, que passeava pelas ruas à noite, sozinho, e pensava que um dia seria amado por uma rapariga. Mas nunca conseguia falar com as raparigas que encontrava em casa das pessoas. As maneiras delas eram tão artificiais que me paralisavam. Depois tu vieste ao meu encontro. Em certo sentido, não eras a rapariga com quem eu sonhara e para quem tinha escrito os versos que hoje te parecem tão encantadores. Essa (tal como eu a imaginava) era talvez uma rapariga de uma estranha beleza grave, assim moldada pela cultura das gerações anteriores, a mulher para quem escrevi poemas como «Gentle lady» ou «Thou leanest to the shell of night». Mas depois vi que a beleza da tua alma eclipsava a dos meus versos. Havia em ti algo mais elevado do que tudo o que eu tinha posto neles. Por essa razão, esse livro de poemas é para ti. Ele exprime o anseio da minha juventude, e tu, querida, foste a satisfação desse anseio.
Fui cruel contigo? De uma crueldade, pelo menos, não me podes acusar. Não destruí o amor cálido, impetuoso e vivificante que há dentro de ti. Examina agora as profundezas do teu coração, querida, e diz-me que ele não endureceu nem envelheceu ao longo destes anos que passaste comigo. Não, és hoje capaz de sentimentos mais belos e profundos do que no início. Diz-me, minha querida Nora, que a minha companhia foi boa para ti, e eu dir-te-ei sinceramente o que a tua significou para mim.
Sabes o que é uma pérola, e o que é uma opala? Quando vieste ao meu encontro, nas doces noites daquele Verão, a minha alma era bela, mas a sua beleza era a beleza pálida e fria de uma pérola. O teu amor atravessou-me, e agora sinto como se a minha mente fosse uma espécie de opala, isto é, como se estivesse repleta de estranhas cores e incertos matizes, de cálidas luzes e rápidas sombras, de música interrompida.
Estou muito preocupado, querida, porque não sei onde vou arranjar dinheiro para as minhas passagens e as da Eva, e também para ir a Galway ver a tua família. Escrevi hoje à tua mãe, mas a verdade é que não me apetece ir lá. Eles vão-me falar de ti e de coisas que eu ignoro. Receio que eles me mostrem sequer uma fotografia de quando eras criança, porque vou pensar: «Nesse tempo eu não a conhecia, nem ela a mim. Quando ela ia à missa de manhã, devia olhar de vez em quando para algum rapaz na rua; para outro que não eu.»
Querida, vou pedir-te que tenhas paciência comigo. Sinto uns ciúmes absurdos do teu passado.
Mantém-te animada, minha Nora de coração simples, até ao meu regresso. Diz ao Stannie para me mandar rapidamente dinheiro, para que nos possamos reencontrar em breve. Lembras-te do dia em que te perguntei, casualmente, «Onde é que a posso encontrar hoje à noite?», e tu, sem pensar, me respondeste: «Onde é que me pode encontrar? Suponho que na cama!»
Magari! Magari!
James Joyce, in 'Cartas a Nora (21 de Agosto de 1909)'