A Individualidade Não Se Deixa Representar
Conselho ao intelectual: Não deixes que te representem. A fungibilidade das obras e das pessoas e a crença daà derivada de que todos têm de poder fazer tudo revelam-se no seio do estado vigente como grilhões. O ideal igualitário da representatividade é uma fraude, se não for sustentado pelo princÃpio da revogabilidade e da responsabilidade do rank and file. O mais poderoso é justamente o que menos faz, o que mais se pode encarregar daquele a que se dedica e sua vantagem arrecada. Parece colectivismo e fica-se apenas pela demasiado boa opinião de si mesmo, pela exclusão do trabalho, graças à disposição do trabalho alheio.
Na produção material está solidamente implantada a substituibilidade. A quantificação dos processos laborais diminui tendencialmente a diferença entre o encargo do director geral e o do empregado de uma estação de serviço. É uma ideologia miserável pensar que, nas actuais condições, para a admininstração de um trust se requer mais inteligência, experiência e preparação do que para ler um manómetro. Mas enquanto na produção material há um apego tenaz a esta ideologia, o espÃrito da que lhe é contrária cai na submissão. Tal é a cada vez mais ruinosa doutrina da universitas litterarum, da igualdade de todos na república das ciências, que não só faz de cada um controlador do outro, mas, além disso, deve capacitá-lo para fazer igualmente bem o que o outro faz. A substituibilidade submete as ideias ao mesmo processo que a troca das coisas. É excluÃdo o incumensurável. Mas como o pensamento tem, antes de mais, de criticar a omnÃmoda comensurabilidade, derivada da relação de troca, volta-se então, enquanto relação produtiva espiritual, contra a força produtiva.
Mo plano material, a substituibilidade é o já possÃvel, e a insubstituibilidade é o pretexto que o impede; na teoria, à qual cabe compreender esse quid pro quo, a substituibilidade ajuda o aparelho a prolongar-se ainda até onde reside a sua oposição objectiva. Só a insubstituibilidade poderia contrabalançar a inserção do espÃrito na área do emprego. A exigência, admitida como evidente, de que toda a realização espiritual se deve deixar dominar por qualquer membro qualificado da organização faz do mais obtuso técnico cientÃfico a medida do espÃrito: onde iria ele buscar a capacidade para a crÃtica da sua própria tecnificação?
A economia suscita assim a nivelação do que, em seguida, se indigna com o gesto do "Agarra, que é ladrão!" A demanda da individualidade tem de se projectar de forma nova na época da sua liquidação. Quando o indivÃduo, como todos os processos individualistas de produção, surge historicamente antiquado e na rectaguarda da técnica, chega-lhe de novo, enquanto sentenciado, o momento de dizer a verdade perante o vencedor. Pois só ele conserva, de um modo geralmente distorcido, o vestÃgio daquilo que concede o seu direito a toda a tecnificação, e de que esta elimina, ao mesmo tempo, a consciência.
Theodore Adorno, in "Minima Moralia"