O Desejo de Discutir
Se as discussões polÃticas se tornam facilmente inúteis, é porque quando se fala de um paÃs se pensa tanto no seu governo como na sua população, tanto no Estado como na noção de Estado enquanto tal. Pois o Estado como noção é uma coisa diferente da população que o compõe, igualmente diferente do governo que o dirige. É qualquer coisa a meio caminho entre o fÃsico e o metafÃsico, entre a realidade e a ideia.
È a esse género de estirilidade que estão geralmente condenadas, tal como acontece com as discussões polÃticas, as que incidem sobre a religião, pois a religião pode ser sinónima de dogmas, ou de ritual, ou referir-se a posições pessoais do indivÃduo sobre questões ditas eternas, o infinito e a eternidade, problemas do livre arbÃtrio e da responsabilidade ou, como se diz também: Deus.
E o mesmo acontece com as discussões que têm a ver com a maior parte dos assuntos abstractos, sobretudo a ética e os temas filosóficos, mas também com campos de análise mais restritos, incidindo sobre os problemas mais imediatos, como por exemplo o socialismo, o capitalismo, a aristocracia, a democracia, etc..., em que as noções são tomadas tanto no sentido amplo como no restrito, umas vezes de modo concreto, outras de modo abstracto, umas vezes sob uma perspectiva fÃsica, outras sob perspectiva metafÃsica; - a maior parte das conversas sobre todos esses assuntos só parecem de resto possÃveis porque nenhuma noção é apreendida com completa nitidez, e dificilmente pode sê-lo, ou se evita mesmo completamente traçar limites precisos, sendo essa a última coisa que se pensaria fazer. Porque aquilo que prevalece neste género de discussão, mais frequentemente do que se pensa, não é a necessidade da verdade mas o desejo de discutir.
Arthur Schnitzler, in 'Relações e Solidão'