O Desastre
Noite de sofrimento
mas quieta, sem um grito...
Saio à janela, e espio
a solidão selvagem.
O pássaro do adeus
gorjeia ao meu ouvido.
É a viagem do meu rosto
na janela do tempo.
A lágrima que choro
e que em meu ser caminha
me vem de tão longe
que é impossível ser minha.
O céu de ponta a ponta
é só moscas acesas
que são minhas antigas
companheiras de viagem.
Quase não acredito
possam tantas estrelas
brilhar tão douradas
sobre as minhas penas!
O noturno universo
diante do qual oscilo
me parece agora
um desastre tranquilo...
Pois a própria lua
que subiu da paisagem
não é a roda perdida
de uma secreta viagem?
Cassiano Ricardo, in 'Poesias Completas, Rio de Janeiro, 1957'