Se depois do infortúnio de nascermos
Escravos da Doença e dos Pesares
Alvos de Invejas, alvos de Calúnias
    Mostrando-nos a campa
A cada passo aberta o Mar e a Terra;
Um raio despedido, fuzilando
Terror e morte, no rasgar das nuvens
    O tenebroso seio
A Divina Amizade não viera
Com piedosa mão limpar o pranto,
Embotar com dulcíssono conforto
    As lanças da Amargura;
O Sábio espedaçara os nós da vida
Mal que a Razão no espelho da Experiência
Lhe apontasse apinhados inimigos
    C'o as cruas mãos armadas;
Terna Amizade, em teu altar tranquilo
Ponho — por que hoje, e sempre arda perene
O vago coração, ludíbrio e jogo
    Do zombador Tirano.
Amor me deu a vida: a vida enjeito,
Se a Amizade a não doura, a não afaga;
Se com mais fortes nós, que a Natureza,
    Lhe não ata os instantes.
Que só ditosos são na aberta liça
Dois mortais, que nos braços da Amizade,
Estreitos se unem, bebem de teu seio
    Nectárea valentia.
Tu cerceias o mal, o bem dilatas,
E as almas que cultivas cuidadosa,
Com teu suave alento aformosentam-se
    Medradas e viçosas.
Caia a Desgraça, mais que o raio aguda
Rebente sobre a fronte ao mal votada,
Mais lenta é a queda, menos cala o golpe
    No manto da Amizade:
E se desce o Prazer, com ledo rosto
A alumiar o peito de Filinto,
A chama sobe, e vai prender seu lume
    Na alma do fido Amigo.

Filinto Elísio, in "Odes"
// Consultar versos e eventuais rimas

1. Ode à Amizade
2. Uns Lindos Olhos, Vivos, Bem Rasgados
3. À Minha Morte
4. Ode à Esperança
5. Usos Deste Mundo
6. Tem a Virtude o Prémio
7. Que Mimoso Prazer!
8. Nos Foge o Tempo
9. Moralidade
10. Saudade Extrema
11. Prazer! Prazer! oh Falso, oh Bandoleiro!
12. Desafogo
13. Quando a Fortuna Encetou com Desgraças
14. Tinha de Fachos Mil a Noite Ornado