Leitura e Escrita
A leitura, é de facto, em meu entender, imprescindÃvel: primeiro, para me não dar por satisfeito só com as minhas obras, segundo, para, ao informar-me dos problemas investigados pelos outros, poder ajuizar das descobertas já feitas e conjecturar as que ainda há por fazer.
A leitura alimenta a inteligência e retempera-a das fadigas do estudo, sem, contudo, pôr de lado o estudo. Não deveÂmos limitar-nos nem só à escrita, nem só à leitura: uma diminui-nos as forças, esgota-nos (estou-me referindo ao trabalho da escrita), a outra amolece-nos e embota-nos a energia. Devemos alternar ambas as actividades, equilibráÂ-las, para que a pena venha a dar forma à s ideias coligidas das leituras. Como soe dizer-se, devemos imitar as abelhas que deambulam pelas flores, escolhendo as mais apropriadas ao fabrico do mel e depois trabalham o material recolhido, distribuem-no pelos favos e, nas palavras do nosso Vergilio, o lÃquido mel acumulam, e fazem inchar os alvéolos de doce néctar.
(...) Nós devemos imitar as abelhas, discriÂminar os elementos colhidos nas diversas leituras (pois a memória conserva-os melhor assim discriminados), e depois, aplicando-lhes toda a atenção, todas as faculdades da nossa inteligência, transformar num produto de sabor individual todos os vários sucos coligidos de modo a que, mesmo quando é visÃvel a fonte donde cada elemento provém, ainda assim resulte um produto diferente daquele onde se inspirou. Um processo idêntico à quele que nós vemos a natureza operar no nosso corpo sem a mÃnima interferênÂcia da nossa parte (os alimentos que consumimos, enquanto se conservam inteiros e flutuam sólidos no estômago são para este um peso; mas quando se transformam, logo são assimilados e se tornam músculos e sangue), um processo idêntico, dizia eu, devemos operar nos alimentos da inteliÂgência, sem permitir que as ideias recebidas se conservem tal qual, como corpos estranhos. Assimilemo-las; se assim não for, elas podem perdurar na memória, mas não peneÂtram na inteligência. Demos-lhes a nossa total concordânÂcia, façamo-las nossas, tornemos um grande número de ideias num organismo único, tal como numa adição junÂtamos parcelas diferentes para obter um único total Que o nosso espÃrito faça a mesma coisa: mantenha ocultas as parcelas de que se serviu para exibir tão somente o resulÂtado global obtido. Mesmo que seja visÃvel em ti a semeÂlhança com algum autor cuja admiração se gravou mais profundamente em ti, que essa semelhança seja a de um filho, não de uma estátua: a estátua é um objecto morto.
Séneca, in 'Cartas a LucÃlio'