Mais Solitários do que Supomos
À força de estarmos conectados, numa disponibilidade indistinta e sem horário, acabamos por nos desconectar das pessoas a quem mais queremos. O resultado é este: ficamos mais próximos dos desconhecidos e mais desconhecidos dos que nos são próximos. São muitas as atitudes que podemos tomar para diminuir saudavelmente o nosso grau de hiperconexão à net, reconquistando espaços de qualidade, de reflexão, de governo de si, de partilha com os outros ou de necessário repouso.
A primeira atitude, porém, é afirmar o direito a desconectar-se. Só isso fará recuar a síndrome da «hiperconectividade» que nos condiciona a todos, indiferentemente de idades e contextos: mensagem chama mensagem, e com uma urgência que se sobrepõe a tudo; os pais atendem mais vezes o telemóvel do que aos filhos pequenos que vivem com eles; os amigos não conseguem dizer uns aos outros «gosto muito de ti, mas não vou responder a todos os teus whatsapp»; os namorados não sabem amar-se sem a mediação das redes sociais; gasta-se um tempo precioso a responder, replicar, retorquir tontices por monossílabos, alimentando a ilusão de que diante de um ecrã nunca se está sozinho. Mas aí estamos solitários mais vezes do que supomos.
José Tolentino Mendonça, in 'O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas'