O Poder da Linguagem
A minha suspeição em relação ao poder da linguagem sempre me levou a um determinado tipo de escrita. Não necessariamente de forma consciente, mas é assim porque a suspeita existe. Ela existe e organiza a minha linguagem. É pela crueza da linguagem que a verdade mais simples se manifesta. E a crueza pode estar no palavrão, mas também pode estar na desarticulação sintáctica. E é interessante ver que as pessoas não reagem mal às alterações morfológicas, muitas vezes nem sequer às sintácticas. Aquilo a que reagem mal é à pontuação. Aliás, foi uma descoberta tardia minha. Ouvia as pessoas dizer: «Ai, aquelas vírgulas estão mal postas!» Por exemplo, em relação ao Saramago. Eu gosto do Saramago. Gostava dele como pessoa e gosto do que escreveu, embora não tenha muito a ver com a minha escrita. Mas a vírgula, aquela paragem, aquele cortar o fôlego, aquele sopro que se quer prolongar e não consegue, isso é que é terrífico na escrita. E é por aí que se introduz a violência.
Rui Nunes, in 'Jornal i, 2 de Setembro de 2013'