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David Hume

Escócia
7 Mai 1711 // 25 Ago 1776
Filósofo/Historiador/Ensaísta

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O mero filósofo é geralmente uma personalidade pouco admis­sível no mundo, pois supõe-se que ele em nada contribui para o be­nefício ou para o prazer da sociedade, porquanto vive distante de toda comunicação com os homens e envolto em princípios e noções igualmente distantes de sua compreensão. Por outro lado, o mero ig­norante é ainda mais desprezado, pois não há sinal mais seguro de um espírito grosseiro, numa época e uma nação em que as ciências florescem, do que permanecer inteiramente destituído de toda espécie de gosto por estes nobres entretenimentos. Supõe-se que o carácter mais perfeito se encontra entre estes dois extremos: conserva igual capacidade e gosto para os livros, para a sociedade e para os negócios; mantém na conversação discernimento e delicadeza que nascem da cultura literária; nos negócios, a probidade e a exatidão que resultam naturalmente de uma filosofia conveniente. Para difundir e cultivar um carácter tão aperfeiçoado, nada pode ser mais útil do que as com­posições de estilo e modalidade fáceis, que não se afastam em demasia da vida, que não requerem, para ser compreendidas, profunda apli­cação ou retraimento e que devolvem o estudante para o meio de homens plenos de nobres sentimentos e de sábios preceitos, aplicáveis em qualquer situação da vida humana. Por meio de tais composições, a virtude toma-se amável, a ciência agradável, a companhia instrutiva e a solidão um divertimento.
(...) Se, em geral, os homens se contentassem em preferir a filosofia fácil à abstracta e profunda, sem censurar ou desprezar a última, não seria, talvez, inadequado, concordar com esta opinião geral e permitir a cada homem o direito de desfrutar livremente de seu próprio gosto e sentimento. Mas, como a questão é, freqüentemente, levada mais longe, até a completa rejeição de todo o raciocínio profundo, ou o que é geralmente denominado de metafísica, passaremos a examinar o que se pode considerar razoável pleitear a seu favor.

Podemos começar por observar que uma vantagem considerável que resulta da filosofia abstracta e exacta consiste na sua utilidade para a filosofia fácil e humana, a qual, sem a primeira, nunca poderia alcançar um grau suficiente de exactidão nas suas opiniões, preceitos ou raciocínios. As belas-letras não são outra coisa senão pinturas da vida humana em diversas atitudes e situações, que nos infundem diferentes sentimentos de louvor ou de censura, de admiração ou de zombaria, de acordo com as qualidades dos objectos que elas colocam diante de nós. Um artista estará mais bem qualificado para triunfar no seu em­preendimento se possui, além de gosto delicado e de rápida com­preensão, um conhecimento exacto da estrutura interna do corpo, das operações do entendimento, do funcionamento das paixões e das diversas espécies de sentimentos que distinguem o vício e a virtude. Por mais árdua que possa parecer esta pesquisa ou investigação in­terna, ela torna-se, em certa medida, indispensável àqueles que qui­serem descrever com sucesso as aparências exteriores e patentes da vida e dos costumes. O anatomista apresenta aos olhos os objectos mais hediondos e desagradáveis, porém a sua ciência é útil ao pintor, quando desenha até mesmo uma Vénus ou uma Helena. Enquanto o pintor emprega as cores mais ricas da sua arte e dá às suas figuras o aspecto mais gracioso e o mais atraente, deve ainda dirigir a sua atenção para a estrutura interna do corpo humano: a posição dos músculos, o sistema ósseo e a forma e função de cada parte ou órgão. A exactidão é, em todos os casos, vantajosa à beleza, e o raciocínio justo ao sen­timento delicado. Em vão exaltaríamos uma desvalorizando a outra.

Além disso, podemos observar em todas as artes ou profissões, mesmo as que mais se relacionam com a vida ou com a acção, que um espírito de exactidão, por qualquer meio adquirido, as conduz mais perto da perfeição e as torna mais úteis aos interesses da sociedade. Embora um filósofo possa viver longe dos negócios, o espírito da filosofia, se cuidadosamente cultivado por alguns, difunde-se gradual­mente através de toda a sociedade e confere a todas as artes e profissões semelhante correção. O político adquirirá maior previsão e subtileza na divisão e no equilíbrio do poder, o advogado, mais método e prin­cípios mais subtis nos seus raciocínios, o general, mais regularidade na sua disciplina, mais cautela nos seus planos e nas suas manobras. A maior estabilidade dos governos modernos sobre os antigos e a exac­tidão da filosofia moderna têm melhorado, e provavelmente melho­rarão ainda mais, por gradações semelhantes.

Se não houvesse nenhuma vantagem a ser colhida destes estudos além da satisfação de uma curiosidade ingénua, mesmo assim este resultado não devia ser desprezado, pois ele acrescenta-se aos poucos prazeres seguros e inofensivos que são conferidos à raça humana. O caminho da vida, o mais agradável e o mais inofensivo, passa pelas avenidas da ciência e do saber; e, quem quer que possa remover quais­quer obstáculos desta via ou abrir uma nova perspectiva, deve ser considerado um benfeitor da humanidade. Embora estas pesquisas possam parecer árduas e fatigantes, ocorre aqui como com certos es­píritos ou com certos corpos que, por estarem dotados de grande vi­talidade, necessitam de exercícios severos e colhem prazer daquilo que, para a maioria dos homens, parece penoso e laborioso. A obscuridade é, de facto, penosa tanto para o espírito como para os olhos; todavia, trazer luz da obscuridade, por mais trabalhoso que seja, deve ser agradável e regozijador.

David Hume, in ''Investigação Acerca do Entendimento Humano'




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