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Rainer Maria Rilke

Alemanha
4 Dez 1875 // 29 Dez 1926
Poeta

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Sei Quem é Minha Rainha

Deslizo para fora da tua casa
Pelas ruas de chuva, e acredito
Que cada transeunte com que me cruzo
Vê brilhar nos meus olhos
A alma radiosa e redimida.

Quero ao caminhar, a todo o custo
Esconder da multidão, a minha alegria,
Levo-a à pressa para minha casa;
Fecho-a no mais fundo das noites
Como um cofre dourado.

Depois retiro da sombra,
Peça após peça, os seus tesouros
E já não sei para onde olhar;
Pois cada recanto do meu quarto
Está repleto, repleto de ouro.

É uma riqueza infinita
Como nunca a noite viu
Nem o orvalho humedeceu;
E que nunca uma noiva
Por amor, recebeu

São ricos diademas
Em que as pedras são estrelas.
Ninguém o sabe. Estou,
Entre os meus tesouros como um rei,
E sei quem é minha rainha.

E o sol, depois desta nova furiosa tempestade, entra em vagas tao ricas que se julgaria verdadeiramente ver uma felicidade em autêntico ouro em cada recanto do meu quarto. Sou rico e livre e revejo em sonhos, a plenos pulmões, cada segundo da tarde. Já não tenho nenhum desejo de sair hoje. Quero sonhar leves sonhos e enfeitar o meu quarto com o seu brilho como se fossem as grinaldas de um acolhimento. Quero carregar na minha noite a bênção das tuas mãos nas minhas mãos e nos meus cabelos. Não desejo falar a ninguém para não desperdiçar o eco das tuas palavras que tremula como um esmalte sobre as minhas e as faz soar mais ternas; e, depois do sol-posto, não quero ver nenhuma lâmpada para poder iluminar com o fogo dos teus olhos mil fogueiras secretas... Quero elevar-me em ti como a oração da criança no júbilo sonoro da manhã, ou a girândola entre os astros solitários. Recuso os sonhos que te ignoram e os desejos que não possas despertar. Não quero fazer um gesto que não te louve, nem cuidar uma flor que não te enfeite; não quero saudar as aves que ignorem o caminho da tua janela, nem beber em ribeiros que não tenham acolhido o teu reflexo. Não quero visitar países que os teus sonhos não tenham percorrido como taumaturgos vindos de fora, nem habitar cabanas, que não tenham abrigado o teu repouso. Nada quero saber de quem te precedeu em meus dias, nem dos seres que aí permanecem. Para esses, se o merecerem, e porque sou demasiado feliz para ser ingrato, deporei no seu túmulo, ao passar, murcha recordação. Mas a linguagem com que eles me falam agora é a das pedras tumulares e, quando pronunciam uma palavra, só sinto nos dedos frias letras mortas. Desejarei que esses mortos estejam felizes; porque eles me desiludiram, compreenderam-me mal e trataram-me mal — e, por esse longo caminho de dor, me conduziram a ti. Agora, eu quero ser tu. E o meu coração arde diante da graça, como a luz eterna diante de Maria. Tu.

Rainer Maria Rilke, in 'Carta a Lou Andreas-Salomé, 9 de Junho de 1897'




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