A Cultura Portuguesa e o Provincianismo
A cultura portuguesa tem um amor fatal pelo provincianismo. O provincianismo é a forma mais «engagée» de existir socialmente e literariamente. Daà a impossibilidade, ou melhor, o medo de se realizar sequer um realismo a sério, porquanto este exige uma descida ao inferno e não vejo por aà quem se atreva além do purgatório. Fica-se assim na meia tinta do naturalismo, retratando quadros convencionais de uma sociedade provinciana onde, além da já muito conhecida injustiça social (reparável pela economia e não pela literatura), nada se capta que possa sugerir a simples violência de se estar no mundo. Provincianismo chama-se ainda à quela nossa atitude que toma muito a sério ou, ainda, solenemente, tudo o que faz, tornando inviável uma literatura que desmonte eficazmente a engrenagem humana e social pela incomplacente investida de um humor cruel. Houve recentes tentativas queirozianas para denunciar as fraquezas do meio. Conseguiu-se fazer realismo desta vez? Também não, porque se fez realismo de empréstimo, de segunda mão, colhido no «diz-se diz-se» das esquinas. Escreveu-se razoavelmente má-lÃngua, mas não se agitaram as pessoas e as instituições de forma a tornar visÃvel o lodo depositado no fundo. Isto quanto aos que fazem profissão de fé de realismo social ou burguês. Neste capÃtulo, não podemos competir com os mestres do neo-realismo americano e europeu, que bons ou maus, para quem aprecia o género, já disseram a última palavra.
Natália Correia, in 'Entrevista (1983)'