Thomas Bernhard

Austria
9 Fev 1931 // 12 Fev 1989
Escritor

Publicidade

A Dificuldade Está em Começar

A dificuldade está em começar. Para o imbecil, não é uma dificuldade, ele ignora-a. Fabrica filhos ou livros, faz um filho, um livro no qual multiplica, ininterruptamente, filhos e livros. É-lhe indiferente: de todos os modos, não pensa. O imbecil não conhece dificuldades, levanta-se, barbeia-se, sai à rua, deixa-se atropelar, é-lhe indiferente.
Desde o princípio, sem dúvida desde sempre, só há resistência. O que é a resistência? A resistência é um material. O cérebro tem necessidade de resistências. Enquanto conseguir acumular respostas, dispõe de material. Resistência? Resistência já há quando se olha pela janela, quando é preciso escrever uma carta e não se tem nenhuma vontade, e outra vez resistência quando se recebe uma carta. Acaba-se, no entanto, por responder. Desce-se à rua, fazem-se compras, toma-se uma cerveja, mas tudo isto pesa, tudo isto é uma resistência. Adoece-se, vai-se parar ao hospital, o mal complica-se, resistência uma vez mais. As doenças perigosas aparecem de repente, a gente cura-se delas, mas pegam-se-nos ao corpo para sempre. Resistência, naturalmente. Folheiam-se livros, resistência. Não se querem livros, não se querem ideias, não se querem palavras nem frases, não se querem mais histórias, não se quer nada. Apesar de tudo, uma pessoa adormece e depois acorda. Acordar resulta de se haver dormido e levantar-se é a consequência de acordar. Mesmo sem qualquer interesse ou vontade, há que sair da cama. É necessário deixar o quarto e logo de seguida aparece o jornal, com as frases, no fundo sempre as mesmas frases... não se sabe de onde vêm... Uniformidade, não é assim? E daí, porque a gente se dá conta disso, novas resistências. No fundo, preferíamos ter ficado a dormir e ignorar estas coisas. Depois, sem que nada o fizesse esperar, regresso do desejo...
Porquê esta obscuridade, sempre esta obscuridade total nos meus textos? A explicação é simples:
Nos meus textos, tudo é artificial, quer dizer que todas as personagens, os factos, os incidentes se representam num palco, e o palco está totalmente mergulhado em trevas. As personagens que aparecem no espaço quadrado da cena reconhecem-se melhor nos seus contornos do que sob uma iluminação normal, como é o caso na prosa ordinária. Na escuridão, tudo se torna claro. Não só as aparições, o que se obtém da imagem, não, também a linguagem. Há que imaginar páginas totalmente negras: a palavra fica mais clara. Daí a sua nitidez ou a sua nitidez redobrada. No começo, servi-me deste meio artificial. Quando se abre um dos meus livros, acontece o seguinte: é preciso imaginar que se está no teatro, ao virar da primeira página sobe um pano, aparece o título, escuridão completa, e desse fundo, dessa escuridão, surgem as palavras que se transformam em processos de natureza tanto interior como exterior, e que, em virtude desse mesmo carácter artificial, artificiais se tornam com redobrada nitidez.

Thomas Bernhard, in 'Trevas'




Publicidade

Publicidade

Publicidade

Publicidade

© Copyright 2003-2025 Citador - Todos os direitos reservados | SOBRE O SITE