Fazer-se Compreender não Existe
Fazer-se compreender não existe, é impossÃvel. Resulta daà uma solidão pior, a de se estar separado de tudo por se ter consciência da própria solidão. Por fim, muda-se de teatro cada vez com mais frequência. Acredita-se em cidades maiores — a pequena não basta, Viena não basta, nem sequer Londres basta; procura-se penetrar noutras partes do mundo, onde falam lÃnguas estrangeiras — talvez Bruxelas, quem sabe se Roma? E anda-se um pouco por toda a parte, e não se está menos só consigo mesmo e esse é um trabalho cada vez mais odioso. Uma pessoa volta ao campo, retira-se para uma quinta, tranca o portão, como eu — frequentemente fecho-me durante dias —, e o único prazer, a alegria crescente, é então a obra. São as palavras que alinho, as frases que construo. Coloco-as como se fossem brinquedos, segundo um desenvolvimento musical. Mas mal a construção chega a uma certa altura, quatro, cinco andares, vê-se o conjunto à maneira de uma criança e atira--se tudo abaixo. Porém, quando nos julgamos libertos, já outro abcesso começa a despontar no corpo e a desenvolver-se: é uma nova obra, uma nova novela. Tal livro é uma espécie de tumor maligno, um cancro. Bem tentamos extirpá-lo, mas as metástases terão invadido já o organismo inteiro e qualquer cura será ilusória. É impossÃvel ignorá-lo: o mal irá agravar-se naturalmente, irá reforçar-se sem esperança de salvação ou mesmo de remissão.
Thomas Bernhard, in 'Trevas'