A Vida Pouco Mais Tem que Inconvenientes
Não a considero agradável. Quero dizer que a vida, em si e por si, pouco mais tem do que inconvenientes. Durante a juventude, pegue-se-lhe por onde se lhe pegar, é horrível: não há onde a gente se agarrar, e se porventura encontramos alguma coisa, cortam-nos logo a mão de uma
machadada. Tornamo-nos adultos, mas nada melhora: compreendemos as coisas com mais clareza, e além disso envelhecemos. É tudo desagradável. Podemos extrair prazer intelectual daquilo que entendemos, isso sim. Por vezes ao ar livre, aliás cada vez menos livre. Não é que eu seja um homem amante da natureza, longe disso, e na realidade prazeres são coisas que não sinto. De facto, quando se cresce de forma absolutamente normal, com todas as diversões e coisas infantis, e depois nos vêm dizer toda a vida que somos uns charlatães e que isso não pode ser, que não passamos de uns ranhosos que gastam o tempo em graçolas e brincadeiras, ralhando-nos por não gostar da comida que fez a avozinha... isso persegue-nos a vida inteira.
Quando se escreve, necessita-se sempre de um meio para se poder escrever. É preciso que a gente se fixe em alguma coisa, seja a solidão ou uma árvore, um monte de lixo ou uma pessoa. Na verdade, cada um fixa-se quase sempre em si mesmo. O resto não passa de palhaçadas. No fim de contas, também os cães procuram árvores e paredes para mijar. Ter vontade de escrever é algo assim como ter vontade de verter águas. As mais das vezes a gente mija-se pelas pernas abaixo: é o que está mais à mão... Nunca cuidei da forma; a forma surge naturalmente por si própria, tal como eu sou e escrevo...
Tenho tido sorte com Peymann. A verdade é que não se deve aceitar pessoas medíocres. Quando isso acontece, o fracasso é certo. E sempre que transigi a coisa deu para o torto. A culpa foi minha, porque devia tê-lo visto e vi-o realmente, mas fui débil. E quando se é débil tudo sai mal. E então, naturalmente, atribuem-nos todas as culpas, cai-nos tudo logicamente em cima.
Thomas Bernhard, in 'Trevas'