A Escrita é Também uma Droga
Toda a gente sabe o que um escritor faz. Assim como as vacas comem forragem, os escritores comem ideias. Se são sempre as mesmas ou se variam, é coisa que não depende deles. Trata-se de uma inspiração superior. Por mim, tudo começou aos dezoito anos, quando fui internado num hospital e me deram a extrema unção. Depois estive num sanatório, na alta montanha, durante meses sem sair da cama e sempre com o mesmo cume à minha frente. Não me podia mexer, e por causa desse aborrecimento e desse estar só, meses e meses, com aquela montanha à frente... ou ficava louco ou começava a escrever. Resolvi escrever, e assim venci o meu ódio aos livros e à escrita. E essa é, sem dúvida, a causa de todos os meus males. Mas tudo nos ajuda a seguir em frente, e de alguma coisa se tem que viver, e por isso só se cometem na vida actos insensatos. A vida leva-se com pouca sensatez, para não dizer que é feita quase exclusivamente de insensatez. Não importa de quem se trate. Mesmo que sejam pessoas extraordinárias, supostamente extraordinárias... tudo é lastimoso e no fim de contas não leva a lado nenhum.
A gente pode amontoar livros em casa e ficar a olhar para eles. E no entanto ninguém foge ao que é. Passa-se com a escrita o mesmo que se passa com o café ou o chá da manhã — o chá é melhor —. Tornamo-nos drogados. A escrita é também uma droga.
Thomas Bernhard, in 'Trevas'