As Minhas Coisas Estão Escritas de uma Forma que não Envelhece
Anda-se de um lado para o outro, ao sabor da corrente. É esse o melhor acicate e impulso vital que se pode ter. Quem se limita a amar está perdido. Se se limita a odiar está igualmente perdido. Não se vive sem erotismo. Nem sequer os insectos podem viver assim. A menos que se tenha uma ideia muito primitiva do que é o erotismo. Não é esse o meu caso, porquanto procuro sempre vencer o primitivo. Não preciso de irmãs, nem preciso de amantes. Temos isso tudo dentro de nós, e se nos apetecer podemos utilizá-lo...
Quando acabo uma coisa, vou-me abaixo. Depois da última peça, também me aconteceu isso. Estive três semanas em Portugal, numa pensão qualquer, totalmente esgotado. É inevitável. Mas depois isso acaba de forma natural, não há que ter medo.
Na verdade, julgo que as minhas coisas estão escritas de uma forma que não envelhece. Quanto aos temas, umas vezes predominam, outras não. Durante decénios ninguém leu Hamsun, agora é um autor na moda. Acontece com todos. Mas sem dúvida, sem dúvida alguma, o importante é escrever de tal forma que dentro de cem anos os nossos textos ainda se possam ler. Deve escrever-se com uma linguagem tal que, no fundo, não possa envelhecer.
Contudo, de algum modo, em alguma parte, a aventura desapareceu. Agora procuram-se escapatórias e escrevem--se simplesmente peças ou constrói-se uma prosa que aborrece as pessoas, as quais se limitam dizer: parece-me demasiado idiota, três páginas para um frase. Mas é esse precisamente o aliciante, que ainda digam «Baaah». Outro aliciante é fazer aquilo que as pessoas rejeitam e acham difÃcil.
Ao fim e ao cabo, a minha vida é totalmente clara. Para mim é perfeitamente clara: faço o meu trabalho eliminando tudo o que possa estorvá-lo e interessando-me por tudo o que possa favorecê-lo. É tão simples como isto.
Thomas Bernhard, in 'Trevas'