Rafael Chirbes

Espanha
27 Jun 1949 // 15 Ago 2015
Escritor

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A Verdade das Coisas

A verdade das coisas. Em Misent, não sabemos por quanto tempo, mas a vida é assim. Na realidade, a economia, que tão visível nos parece, tão escandalosa, é simplesmente o cenário, o pano de cena que esconde o espaço onde se move um animal dissimulado, invisível, tão inapreensível que nem sequer tem nome, porque não é o poder, embora participe dele; não é o dinheiro, embora dele se alimente; nem é o prestígio, embora tenha a sua incorporeidade. É o eixo em torno do qual gira a grande roda. É, se se quiser dizer assim, o hálito, o vapor que faz ferver a caldeira, isso que não se vê, que ninguém vê, porque não é senão energia. Qualquer coisa que não interessa a ninguém. As pessoas vão ao teatro ver o espectáculo, a representação, e não espreitar o trabalho dos encarregados das luzes e dos bastidores. Embarca num cruzeiro para jogar ténis nas piscinas da coberta, para dar um mergulho na piscina, para se sentar num tamborete e pedir um gin tónico no bar, para jantar vestido de cerimónia no restaurante, e não para se ocupar dos fogueiros. Isso de os passageiros descerem para cantar árias de ópera na sala das caldeiras enquanto os fogueiros em camisola interior encham pazadas de carvão, só aparece nos filmes de Fellini, e é muito belo, muito comovente, de facto, mas irreal.

Rafael Chirbes, in 'Crematório'




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