Só no pensamento volta o
mundo. Ao ruído da voz
apenas aspiro — que a alma
é o ser mais que a dor ou o
verde cinza do halo das
árvores na manhã íntima das
cores diurnas. Temi os
deuses pelo coração dos
homens, ao homem temo
que por metade vive o medo
divino. Resta, no espasmo
da terra, a mágoa seca, a
ruína da água, a traição do
nada neste corpo de cera,
coroado do silêncio ferido.
Se não de amor é o dia
aberto quando as vísceras
róseas ouvem a respiração
do fogo derramado eros.
Que a estreita vida diz na
tão pouco breve humilde
erva a tão febril brisa, cio de
matinal búzio ou rouca
flauta. Então me ergo e
ouso, vaso do vento, clamar
a queda. Ó esta humana e
divina pobreza de querer
sem fulgor, de tudo poder
sem desejo, alheio ou meu!
O que do futuro ignoro é
maior que o tempo que vivo,
é palavra de cega língua, em
mim calada por jamais lida.
A vida é a voz, a que tece e
resgata, a que rende e cerca
— ardil da névoa, objecto
oco da memória.

Orlando Neves, in "Lamentação em Cáucaso"
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6. O Coração - II
7. A Dor
8. Só de Restos se Consagra o Tempo
9. Pandora
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11. A Idade
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16. Como Realiza o Corpo este Exercício da Queda
17. Só no Pensamento Volta o Mundo
18. O Sono
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